Por orientação do governo, o Senado deixou expirar a Media Provisória (MP) 507, que foi editada às pressas durante a campanha eleitoral do ano passado para tentar evitar que a quebra do sigilo fiscal de dirigentes do PSDB e de familiares do candidato José Serra – por parte de servidores da Receita Federal vinculados ao PT – prejudicasse a campanha de Dilma Rousseff no 2.º turno.
Quando entrou em votação na Câmara, em 1.º de março, antes do feriado do carnaval, a MP 507 sofreu forte oposição da Receita Federal. Para conseguir sua aprovação, o relator, deputado Fernando Ferro (PT-PE), teve de modificar o texto original, introduzindo emendas propostas por deputados governistas e por entidades de auditores fiscais, contadores e advogados. Como a MP 507 expirava no dia 15 de março e o Senado não trabalhou entre os dias 4 e 14, seu destino já era conhecido de antemão.
A recomendação do Palácio do Planalto era de que a MP 507 não fosse colocada na pauta de votação do dia 15, quando o Senado retomou suas atividades legislativas – o que a levaria a expirar por decurso de prazo. Mas, temendo o custo político dessa estratégia, os senadores governistas recorreram a um subterfúgio regimental. Eles aprovaram a MP, acatando pedido de supressão de um dos artigos. Com isso, o texto teria obrigatoriamente de voltar à Câmara. Mas, como o prazo de vigência já havia estourado, a MP 507 perdeu a validade.
Para justificar esse teatro, alguns senadores petistas ainda tentaram jogar a culpa nos deputados, alegando que eles se atrasaram na votação da MP 507, não deixando tempo hábil para que o Senado pudesse discuti-la em profundidade. “Temos direito regimental e político ao tempo necessário para analisar medidas provisórias”, disse o senador Walter Pinheiro (PT-BA). Mas, questionado sobre a posição do governo, que em público defendeu a aprovação da MP até a véspera, enquanto negociava por baixo do pano sua derrubada com os líderes dos partidos da base situacionista, o parlamentar baiano tergiversou. Mais hábil, o senador José Sarney (PMDB-AP) aproveitou para acusar a Câmara de ter esgotado o prazo de tramitação da MP 507, afirmar que o Senado não pode votar matérias relevantes a toque de caixa e defender mudanças no rito de votação das MPs. Com isso, o eixo do debate passou a ser sobre fórmulas engenhosas para a tramitação de MPs.
Enviada ao Congresso em outubro de 2010, a MP definia novos critérios para a quebra de sigilo fiscal, estabelecia punições para o servidor que violasse regras de acesso à base de dados do Fisco e disciplinava o uso de procurações por advogados na representação de seus clientes, em processos administrativos. A MP 507 também previa a aplicação de punições ao servidor que emprestasse senha e imprimisse declaração de Imposto de Renda sem ter para isso motivo funcional. Segundo o texto, o servidor punido ficaria impedido de exercer novo cargo por cinco anos em qualquer órgão da administração pública federal. Em artigo publicado no Estado, o tributarista Everardo Maciel – ex-secretário da Receita – afirmou que, nas sindicâncias realizadas após o vazamento de dados fiscais de dirigentes do PSDB, o órgão teria descoberto que senhas de acesso ao acervo de declarações do Imposto de Renda passavam de mão em mão e constatado que um único servidor teria feito mais de 30 mil acessos não motivados, em curto período de tempo.
A MP 507 visava a coibir esses abusos. Quando foi assinada pelo presidente Lula, em outubro de 2010, muitos tributaristas reconheceram sua importância e necessidade, mas lembraram que ela seria insuficiente para acabar de uma vez por todas com as quebras irregulares de sigilo fiscal.
Graças à subserviência da bancada governista no Senado, que levou a MP 507 a caducar, é que nada mesmo vai mudar. Os contribuintes continuarão vulneráveis aos abusos de funcionários da Receita Federal que atuam motivados mais por critérios políticos e partidários do que com base no interesse público.
Fonte: – O Estado de S.Paulo