A Fazenda Estadual de São Paulo tem cruzado os valores da movimentação por cartões de crédito e o faturamento declarado por microempresas para excluí-las do Simples Nacional. O primeiro caso de desenquadramento foi julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A Corte negou o pedido de uma empresa de pequeno porte e a manterve fora do programa por omissão de receita. A companhia é acusada pelo Fisco de sonegar, pelo período de 18 meses, ganhos que extrapolariam o limite do faturamento exigido para participar do regime simplificado de tributação. A decisão foi unânime.
De acordo com advogados, os Estados e municípios podem pedir ao governo federal a exclusão de contribuintes do Simples. No entanto, esse não seria o procedimento usual. “Nos últimos dois anos, o Fisco apenas cobrava a diferença do imposto quando constatadas discrepâncias entre o faturamento declarado e as receitas decorrentes das operações de venda com cartão”, afirma o consultor da ASPR Auditoria e Consultoria, Douglas Rogério Campanini. Segundo o tributarista Marcelo Jabour, diretor da Lex Legis Consultoria Tributária, nem todo cruzamento de informações gerava exclusão do regime. “Os Estados autuavam as empresas e parcelavam o débito, fora do âmbito do Simples Nacional”, diz.
Com sede em Campinas, a Vanin & Vanin Comercial, cujo nome fantasia é Fornitura – O Mundo dos Relógios, entrou com recurso na Justiça para pedir a volta ao programa, que possibilita o pagamento unificado de tributos federais, estaduais e municipais com alíquotas reduzidas. A empresa alega que seu sigilo bancário foi violado e que não havia sido notificada do desenquadramento. Além disso, defende que a Lei Complementar nº 105, de 2001, determina que o uso das informações prestadas pelas administradoras de cartão de crédito só podem ser usadas pelo Fisco com procedimento fiscal em curso. “Não foi o que aconteceu. A exclusão foi feita sem observar o devido processo legal”, diz a advogada da empresa, Renata Peixoto Ferreira, que deverá ajuizar em breve recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na decisão liminar proferida no dia 23 de janeiro, entretanto, os desembargadores da 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP negaram o pedido por entenderem que não havia quebra de sigilo. Para eles, o Código Tributário Nacional (CTN) garante “amplos poderes” à administração tributária para exigir informações de instituições financeiras, por exemplo. “É precisamente o cruzamento de dados entre as informações prestadas pelas administradoras de cartões e aqueles apresentados pelo contribuinte que permite saber qual a receita tributável”, disse o relator do caso, desembargador Luiz Sérgio Fernandes de Souza, na decisão.
Para o subprocurador-geral do Estado de São Paulo da área do Contencioso Tributária-Fiscal, Eduardo José Fagundes, a decisão privilegia “a supremacia do interesse público” sobre o interesse individual do contribuinte.
Ao analisar pedido de antecipação de tutela, em dezembro, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo acatou ainda o argumento da Fazenda paulista de que a legislação estadual – a Lei Estadual nº 12.186, de 2006, e a Portaria CAT nº 87, do mesmo ano – autoriza as operadoras de cartão a fornecer ao Fisco a relação dos valores recebidos pelas prestações de serviços. O Estado de Minas Gerais também já firmou convênio com as operadoras de cartão de crédito.
De acordo com a Receita Federal, 150 contribuintes foram desenquadrados do regime em 2011 por omitirem receita. A maioria deles – 103 – foram excluídos pela própria União. Outros 38 empresas saíram do Simples à pedido dos Estados.
Segundo Pedro Gomes Miranda e Moreira, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados, o Fisco tem utilizado com frequência os dados das operações com cartão de crédito para verificar a omissão de receita e lavrar autos de infração. “A empresa que adere ao regime deve estar ciente de que pode sofrer processo criminal para responder por sonegação”, afirma.
A discussão sobre o direito do Fisco de pedir informações sobre movimentações bancárias sem autorização judicial ainda é controvertida no Judiciário. “A tendência da jurisprudência é permitir a troca das informações. Mas há decisões nos dois sentidos”, diz Jabour. Segundo Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, o STJ tem jurisprudência pacífica que permite a quebra de sigilo de dados bancários. Os Tribunais Regionais Federais tendem a ser mais favoráveis ao Fisco, de acordo com ele. “Mas um processo sobre o assunto pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda faz com que apareçam decisões favoráveis ao contribuinte”, diz.
Bárbara Pombo
Valor Econômico