Gerenciamento de riscos e as Normas Internacionais de Contabilidade – quais são os riscos envolvidos na adoção (ou não) das IFRS?

Lucio Ferreira Barbosa

As IFRS (International Financial Reporting Standards – Padrões Internacionais de Relatórios Financeiros, numa tradução livre) foram adotadas em etapas em países da Europa a partir do início dos anos 2000 e, posteriormente, em diversos outros países do mundo – incluindo o Brasil a partir de 2008 (com a Lei 11.638 sendo sancionada em Dezembro de 2007).

Para entendermos os principais riscos envolvidos nas IFRS é necessário entendermos quais são os seus principais objetivos:

(i) A padronização internacional das demonstrações financeiras (também chamadas de demonstrações contábeis no Brasil) – este objetivo das IFRS visa facilitar as análises dos investidores sobre as demonstrações financeiras. Com a pulverização dos investidores pelo mundo (impulsionado, também, pela melhoria da internet e segurança das informações), hoje se faz necessário termos um padrão global para que estes investidores consigam analisar a saúde financeira de uma empresa em qualquer parte do globo. Com isso, a alocação de recursos poderia ser feita de forma, realmente, globalizada;

(ii) Com o objetivo um alcançado, seria possível reduzir os custos de capital e a otimização de eficiência para as empresas, pois seria possível termos uma melhoria sistêmica nos sistemas de informações, a maior eficiência de auditoria nas empresas, melhorias em treinamentos dos profissionais de contabilidade / mercado financeiro / investidores;

(iii) Esta padronização global nos traria a possibilidade da comparabilidade entre as empresas de um mesmo setor ao redor do mundo, verificando em que países estas empresas estariam com uma melhor saúde financeira, ou não;

(iv) Uma visão mais gerencial / financeira sobre as demonstrações financeiras – as demonstrações financeiras ganhariam um ponto de vista mais voltado para os objetivos reais da administração da empresa (e não somente para fins fiscais, como era, e ainda é, comum no Brasil). Os principais objetivos e as principais interpretações da administração das empresas estariam estampadas em suas demonstrações financeiras, promovendo ao leitor destas um destaque sobre o comportamento destas empresas em relação aos objetivos da sua administração;

Estes são alguns dos principais objetivos das IFRS, que já foram adotadas em mais de 120 países e entre os anos de 2011 e 2012 teremos mais países adotando as IFRS, entre eles: Argentina, Canadá, México, Coréia do Sul etc.. O Japão deverá decidir sobre a obrigatoriedade de adoção das IFRS ainda em 2012 – lá, as IFRS já são aceitas, mas não obrigatórias.

No Brasil, as IFRS foram traduzidas quase que literalmente para os CPCs – pronunciamentos emitidos pelo CPC – Comitê de Pronunciamentos Contáveis, que havia sido criado em 2005, e está dedicado, principalmente, à convergência com as normas internacionais e à centralização na emissão das normas dessa natureza. No Brasil, a adoção dos CPCs começou a ser obrigatória para as demonstrações financeiras (ou contábeis) emitidas em 31 de Dezembro de 2010 ou após esta data.

Entendendo os principais objetivos, conseguimos deduzir alguns dos maiores riscos da adoção, ou não adoção, das Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS). Os principais riscos diretamente relacionados aos objetivos das IFRS:

(i) Vitrine Global – como o principal objetivo das IFRS é padronizar as demonstrações financeiras das empresas ao redor do globo, um dos principais riscos é exatamente não estar em conformidade com as IFRS, perdendo a oportunidade de ter sua empresa em uma vitrine global para os investidores. Isso pode acarretar em diversas deficiências como, por exemplo: dificuldades em obter capital; custo mais alto deste capital;

(ii) No Brasil – como no Brasil temos a obrigatoriedade de adoção dos CPCs, a partir de 31/12/2010, uma entidade que se encaixe nos requisitos para adotar este padrão não poderia “não-adotar”, pois não estaria cumprindo as normas brasileiras. Com isso, cabe ressaltar, que as empresas brasileiras (exceto as pequenas e médias empresas, para as quais existe o CPC-PME), já deveriam estar em conformidade com os CPCs – que representam, em boa parte, o padrão internacional das IFRS;

(iii) Investimentos internacionais – em linha com o primeiro tópico (vitrine global), e em épocas de crises na Europa e nos Estados Unidos, os países emergentes (principalmente os BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China) chamam a atenção pelo crescimento da economia em detrimento às crises internacionais. Com isso, muitos investidores internacionais buscam diversificar seus investimentos e buscam empresas nestes países para aplicar seu capital. A não adoção das IFRS pode fazer com que o investidor internacional não entenda as demonstrações financeiras de sua empresa;

Outros riscos sobre a adoção, ou não adoção, as IFRS, principalmente para as empresas brasileiras são, por exemplo:

(iv) Mudança de cultura – a mudança de cultura deve ocorrer principalmente nos profissionais de contabilidade mas, também, nos profissionais dos demais setores – o link de comunicação entre a administração e a contabilidade deve estar cada vez melhor e mais claro, uma vez que as demonstrações financeiras devem representar uma visão gerencial sobre os números da empresa, incluindo alguns pontos de vista estratégicos para determinadas operações. Como sabemos, a mudança de cultura é uma das mais complexas para realizarmos, e uma das que mais demandam tempo;

(v) Mudança no ambiente de TI e Controles – as mudanças no ambiente de TI e de controles internos se fazem necessárias, uma vez que diversos cálculos e considerações mudam com a adoção das IFRS. A “segunda onda” das IFRS trata, também, deste assunto – a maioria das empresas adotou as IFRS via controles manuais, visando “apenas emitir suas demonstrações financeiras de acordo com as normas internacionais” – e isto veio antes das melhorias necessárias em sistemas e controles. Os riscos envolvidos em mantermos controles manuais são os já conhecidos de erros devido a input incorreto de informações / ou mesmo erros de digitação;

(vi) Falta de patrocínio da Administração – grande parte das empresas enxergam a adoção das IFRS como um projeto do Departamento de Contabilidade, o que não é 100% correto. Os maiores impactos, sem dúvidas, estão neste departamento mas, como já informado anteriormente, todas as áreas deverão ter um maior link com a contabilidade, assim como procurar expôr mais os objetivos da empresa para cada uma das diversas operações que a empresa pode ter. Um exemplo clássico desta necessidade de comunicação do objetivo da transação é uma operação de instrumentos financeiros – caso a empresa queira somente se proteger de uma variação cambial, por exemplo, o tratamento contábil é um, e as demonstrações financeiras são impactadas de uma forma. Caso a empresa objetive lucrar com a operação, e não se proteger, o tratamento contábil e os impactos nas demonstrações financeiras são outros;

(vii) Sobreposição de controles ou Headcount insuficiente – é comum vermos empresas em que os profissionais já estavam sobrecarregados com suas tarefas diárias. Após a adoção as IFRS é comum que muitos destes profissionais tenham “ganhado” novas tarefas para o seu dia-a-dia e isso, geralmente, não é adequado. Outras vezes vemos tantas pessoas envolvidas em um mesmo processo – e isso pode gerar a sobreposição de controles internos, ou a redundância destes controles;

(viii) Atualização constante dos profissionais de contabilidade – em linha com a mudança de cultura, precisamos atentar para uma mudança radical na profissão de Contador. Estávamos acostumados a uma única Lei, visando atender ao Fisco, desde 1976 – a Lei 6.404, ou “Lei das S/A”. Esta Lei, como tamém informamos acima, foi alterada pela Lei 11.638/07, ou “a Nova Lei das S/A” – e esta Lei trouxe consigo a necessidade dos pronunciamentos contábeis emitidos pelo CPC. Estes pronunciamentos são constantemente revisados e atualizados e, com isso, os profissionais de contabilidade precisam estar em dia com estas atualizações. Esta mudança de cultura é essencial para a atualização técnica destes profissionais;

(ix) RTT – no Brasil, assim que a Lei 11.638 foi sancionada, foi introduzido, também, o Regime Transitório de Tributação (MP 449/08 e Lei 11.941/09). Como nossas demonstrações contábeis e livros eram, principalmente, para atendimento das exigências fiscais, e com a mudança destes, se fez necessário criar um regime transitório a fim de apontar as diferenças entre os livros fiscais e os livros em IFRS. Este regime se tornou obrigatório em 2010 e o fisco está revisando as necessidades deste. A tendência é que não tenhamos mais o RTT, em um futuro próximo;

(x) Atualização das normas – as IFRS foram baseadas, principalmente, nas FRS (Financial Reporting Standards) da Inglaterra, cujos padrões contábeis baseiam-se em princípios (e não em regras, como é o caso do padrão norte-americano USGAAP – United States General Accounting Accepted Principles e, também, como era o caso da nossa Lei 6.404). Alguns assuntos como, por exemplo, instrumentos financeiros (principalmente), estão sendo revisados e a tendência é que cada vez mais se aproximem do padrão norte-americado (USGAAP). Um dos principais motivos é que, basicamente, os americanos “entendem mais” de instrumentos financeiros do que boa parte do mundo, e seu mercado de “instrumentos financeiros” é o mais aquecido do mundo. Além destes assuntos, outros – como Consolidação, por exemplo, estão sendo revisados / atualizados. E isso faz com que a necessidade de atualização técnica dos profissionais continue.

Fonte: Administradores.com.br/ contadores.cnt.br