Os devotos de São Tomé, que só acreditam vendo, começam a perder as apostas feitas com os devotos de São Judas Tadeu, o patrocinador das causas impossíveis. Pois é, o santo que dá um jeitinho nas dificuldades está mostrando o seu poder de milagreiro até na esburacada estrada da política.

Vejam: a Justiça da Suíça autorizou a devolução aos cofres do Tesouro Nacional de US$ 6,8 milhões que estavam na conta do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto (Lalau); há poucos dias o Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão, concordou em devolver à União R$ 468 milhões que teriam sido desviados de verba pública para construção do prédio do TRT em São Paulo. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou à prisão um ex-presidente da Câmara dos Deputados, a segunda autoridade na linha de sucessão da Presidência da República; puniu também dirigentes de bancos por gestão fraudulenta. E continua a julgar o caso de “maior desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”, dando sinais de que os culpados no processo que reúne 38 réus serão implacavelmente condenados. No plano eleitoral surpresas emergem. É o caso de São Paulo, onde um candidato com curto espaço no programa de rádio e TV assume a liderança da campanha.

As situações narradas evidenciam a tese de que por estas plagas tudo é possível. As cartas marcadas do baralho já não ganham o jogo. O País começa a respirar ares de modernização institucional.

Por modernização deve-se entender mudança de valores, atitudes e expectativas. Comporta, como ensina Samuel Huntington, aspectos relacionados a padrões de vida, mobilidade social e ampliação de conhecimentos por meio da educação. São inegáveis os avanços em algumas áreas, apesar de ainda existirem imensos arquipélagos de atraso, particularmente na saúde e na educação. Na frente da mobilidade registra-se o ingresso de 30 milhões de brasileiros na classe C. A modernização, portanto, soma conquistas em diversas esferas: educacional, econômica, ascensão social, com reflexos na política. Nesta, por exemplo, cria ondas de mobilização pública, motivando os cidadãos a trocar velhos costumes por novos padrões de socialização e comportamento. Intensifica-se o desejo de maior participação da sociedade no processo decisório, situação expressa nas pressões sobre a base política e na escolha mais criteriosa dos atores que farão a representação nos Parlamentos e nos Executivos.

Na paisagem retocada com as tintas da modernização chama a atenção a multiplicação dos centros do poder. Antes restrito às Casas Legislativas e ao Executivo da União, dos Estados e municípios, o poder político agora se refunde e se redistribui pela miríade de novos circuitos de representação – movimentos, associações, grupos, entidades em defesa de minorias, gêneros, etnias e categorias profissionais -, que passam a difundir propostas, ocupar e fazer barulho nos corredores dos Parlamentos e da administração pública.

Diz-se, com propriedade, que esta nova ordem política se aproxima de uma meta ansiada pela sociedade contemporânea, qual seja, a democracia participativa. Mesmo que lhe faltem elementos para compor o escopo da democracia direta – como a defesa do ideal de toda a coletividade, e não apenas de setores -, o fato é que os pulmões da sociedade brasileira estão recebendo uma lufada de ar fresco. A racionalidade expande-se na esteira de um processo de autonomia individual e grupal, pelo qual as decisões passam a ser iluminadas pela chama dos direitos humanos e por acentuado sentimento de cidadania.

Sob essa nova textura se desenvolvem fenômenos e eventos que costuram a nova vestimenta institucional. Veja-se, por exemplo, o julgamento do mensalão. A esta altura já é possível inferir que as decisões dos ministros da Corte Suprema determinarão mudanças no modus operandi da política. Zelo e atenção às regras são valores que, de imediato, se incorporam ao cotidiano dos representantes. Ganha força a tese de que nenhum político, do mais ao menos graduado, nenhum cidadão e nenhuma instituição, por mais poderosa que seja, estarão imunes aos olhos (atentos) da Justiça. Um julgamento como o da Ação Penal 470, cuja transparência tem sido plena, tem o condão de resgatar a confiança social na Justiça e contribui para jogar uma pá de cal no conceito de que apenas os pobres vão para a cadeia. O processo abrirá o debate sobre um ordenamento político estribado no dever moral, o qual conduzirá o corpo político, também monitorado por novos polos de poder, a promover os ajustes necessários para atender ao clamor de núcleos participativos e críticos. Sairão fortalecidas, também, as estruturas de defesa social, fiscalização, apuração e controle, que reúnem Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da União, entre outras.

O próprio edifício do Direito recebe uma argamassa de prestígio não só pelas aulas magnas proferidas pelos ministros do STF, mas pela expressão de brilhantes advogados que demonstraram suas qualidades. Nunca se viu uma ação penal ser tão dissecada e submetida a um escancarado portal midiático, a partir da própria TV Justiça, o que propiciou um exame por “juízes” de outras instâncias, como políticos e operadores do Direito de todas as frentes.

A par desse evento, de simbolismo ímpar e impacto extraordinário sobre a área política, constatamos, com alegria cívica, uma montanha de recursos retornando aos cofres públicos. Quantos brasileiros acreditavam nessa hipótese?

Fecha-se a narrativa com o eleitorado. Em algumas praças ele mostra autonomia ao contrariar previsões e desmanchar hipóteses. Em São Paulo, põe na frente da corrida um perfil apartado da clássica polarização entre grandes partidos. O que explica isso? Pequena resposta: a galera das arquibancadas também quer impor regras ao time, como faz o técnico.

Gaudêncio Torquato – O Estado de S.Paulo -JORNALISTA, PROFESSOR E TITULAR DA USP, É CONSULTOR , POLÍTICO, DE COMUNICAÇÃO TWITTER: @GAUDTORQUATO

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-brasil-abre–um-novo-caminho-,927910,0.htm