Uma divergência jurisprudencial e doutrinária volta a rondar o Superior Tribunal de Justiça: a aplicação do efeito suspensivo aos embargos em execução fiscal. O Código de Processo Civil, que até então era aplicado com entendimento pacífico no tribunal, deu lugar à Lei 6.830/80, a Lei de Execução Fiscal.
“Primeiro, o Código não falava nada; em seguida, ele adotou o efeito suspensivo; e, agora determina que o efeito não pode ser aplicado em regra”, resume à ConJur a advogada Camila Vergueiro Catunda, especialista em Direito Tributário.
O efeito suspensivo era aplicado aos embargos, como previsto no parágrafo 1º do artigo 739 do CPC, inserido pela Lei 8.953/94. A suspensão, no entanto, foi modificada em 2006 e passou de regra à exceção. A Lei 11.382/06 incluiu o artigo 739-A no Código, determinando que o pedido para suspender a execução seja analisado pelo juiz de acordo com a possibilidade de causar grave dano à parte ou incerta reparação. Além disso, a execução já deve estar garantida por pagamento, penhora ou outra forma.
“Tratando-se de execução fiscal e não havendo previsão expressa na Lei 6.830/80 para a concessão do efeito suspensivo, compete ao juízo analisar o pedido do devedor para deferi-lo, ou não, nos termos do que dispõe o artigo 739-A do Código de Processo Civil, não sendo viável sua concessão automática por interpretação dos artigos 18 e 19 da Lei de Execução Fiscal.” Este foi o entendimento do ministro Benedito Gonçalves, da 1ª Turma do STJ, relator de uma decisão publicada em novembro de 2010, que aplica o CPC em detrimento do efeito da suspensão automática disposta na LEF. Da mesma forma decidiu a 2ª Turma.
No entanto, em decisão publicada em 7 de dezembro de 2011, o ministro Benedito Gonçalves decidiu em sentido contrário. “A Lei 6.830/80 é norma especial em relação ao Código de Processo Civil, de sorte que, em conformidade com as regras gerais de interpretação, havendo qualquer conflito ou antinomia entre ambas, prevalece a norma especial.”
A mudança é vista por tributaristas como algo positivo. “Acredito que esta seja a tendência, da aplicação da lei especial e com a suspensão automática da execução, pois é inviável dar ao fisco primeiro para depois discutir, se for o caso, a retomada o bem”, explica Pedro Guilherme Gonçalves de Souza, sócio da área tributária do SABZ Advogados.
“A Lei de Execução Fiscal como norma aplicável deve ser a regra, até por respeito ao princípio da anterioridade e especialidade. A LEF é lei especial e anterior à norma geral, que revogou o efeito suspensivo. Pela sistemática, como um todo, há o efeito suspensivo com a garantia da execução”, destaca Souza. “Quanto ao Fisco, em qualquer caso, a suspensão ocorre mediante a garantia da execução. Não prejudica, mas a lei entende que enquanto a execução está em curso, a Fazenda não pode pegar o bem.
Para o tributarista, a aplicação do CPC é desfavorável ao contribuinte, pois depende da decisão do juiz. “Se prevalece a aplicação do CPC, o juiz poderá decidir de acordo com a causa, o que pode gerar certa insegurança jurídica. O efeito suspensivo dos embargos, aqui, não é automático.”
Bruno Dantas, integrante do Conselho Nacional de Justiça e membro da Comissão de Juristas incumbida de elaborar o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, desde 2009, defende o uso do CPC como forma de ampliar os benefícios ao contribuinte. Para ele, a natureza do título pode ajudar a decisão do juiz sobre a suspensão da execução em embargos e, se há uma mudança de entendimento nos tribunais, ela não parece ser tão discordante quanto se pretende crer. “Quando se fala em execução fiscal a norma é muito clara, não houve mudança.”
“O juiz, com aplicação do CPC, não precisa entender que há necessidade de garantir a execução, mas se o devedor quer suspendê-la, então o devedor deve garantir. Nada mudou para a execução fiscal, que funciona como antes”, concluiu.
Dantas destaca que quando se começou a falar em reforma processual no Brasil, em 1994, já se buscava um processo civil “sincrético”, que misturasse as fases de conhecimento e execução. As mudanças no cumprimento de sentença, promovidas pela Lei 11.232/05, deu a característica de continuidade da execução que, em geral, não trata apenas obrigação de fazer e não fazer. “Deixando de ser a execução um processo próprio, o que justificaria a defesa do executado ser em processo próprio? Deve ser também uma continuação.”
A Certidão da Dívida Ativa é um título extrajudicial e a lei reformulou a execução desses títulos. A regra é que os embargos do devedor mudaram seu funcionamento processual. Antes, os embargos eram opostos apenas mediante a garantia do juízo; depois, não dependia mais da garantia. “Para a Fazenda, é ruim, pois em muitos casos o devedor não quer garantir a execução, mas apenas suspendê-la. É mais salutar ter os dois modelos, porque muitas vezes o devedor não tem dinheiro pra garantir a execução”, diz Dantas. Para ele, a exigência da garantia pode ser vista como uma restrição ao acesso à Justiça. “Neste aspecto, considero que o modelo do CPC é mais inteligente e garantista, preservando o cidadão.”
Dantas lembra ainda que uma discussão sobre reforma do processo fiscal deve ser feita com cautela, pois a força do Fisco pode inviabilizar outras opções, como a aplicação do CPC. “Todos sabem da força que o Fisco possui em uma tramitação legislativa. Por isso, optamos na reforma processual optamos em não entrar no assunto para não inviabilizar o CPC. Não há impeditivo para que o juiz aplique o CPC. E, a lei fiscal é anterior e houve, com o tempo, uma evolução que ela não acompanhou. O juiz pode, conforme o caso, aplicar o CPC em casos excepcionais.”
REsp 1.130.689/PR
AgRg no REsp 1.150.534/MG
REsp 1.291.923-PR
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.
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