Em decisão polêmica, o Pleno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais adotou posição mais rigorosa em relação ao contribuinte nos casos envolvendo decadência de lançamentos tributários. Em sessão de quarta-feira (7/12), os conselheiros decidiram que o Fisco, nos casos em que o contribuinte não efetua pagamento sequer parcial, tem até seis anos para lançar débitos, e não apenas cinco — já que a contagem do prazo decadencial começa no exercício seguinte ao do fato gerador. O acórdão ainda não foi publicado.
O entendimento, formado por maioria, se baseia em recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009, sob o rito dos recursos repetitivos. A corte deu a entender que o pagamento parcial é a única forma que permite a contagem mais benéfica ao contribuinte, ou seja, pelo artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional. O dispositivo prevê o início da decadência a partir do fato gerador do tributo. Em todos os outros casos, a decadência começa a partir do exercício seguinte ao do fato gerador, contagem prevista no artigo 173 do CTN. O prazo decadencial corre enquanto o fisco não exerce o direito de constituir o débito. Constituída a dívida, começa a correr prescrição.
A rigor, contribuintes imunes ou isentos que perderem essa condição terão de se submeter ao prazo estendido de decadência de tributos cobrados. O mesmo acontecerá com empresas optantes pelo regime tributário do Lucro Real que, com prejuízo, não tiverem Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a recolher. Sem pagamentos, terão de ver aumentado o prazo de validade de possíveis cobranças suscitadas em fiscalizações.
Segundo o Carf, nem mesmo declarações entregues encurtam o prazo. Por maioria, o Pleno confirmou entendimento já adotado nas câmaras de que declarações não substituem o pagamento, nem servem para constituir os débitos. O raciocínio se aplica às Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (DIPJ). Segundo o conselheiro Valmir Sandri, que votou no julgamento, não houve, na pauta, nenhum processo que questionasse a validade das Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) para tanto.
Para o conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva, convocado para compor quórum na sessão do Pleno, a decisão não vincula as turmas do Carf, mas deve começar a ser aplicada como jurisprudência hierarquicamente superior, por “princípio de economia e racionalidade dos julgamentos”. Além disso, os presentes resolveram que o Recurso Especial 973.733, julgado como repetitivo no STJ e usado como fundamentação para a decisão desta quarta, deve ser aplicado nos termos do artigo 62-A do Regimento Interno do Carf — ou seja, adotado como decisão definitiva para todos os casos semelhantes.
No entanto, o próprio Pleno parece estar ainda vacilante. Em sessão desta quinta-feira (8/12), a corte entendeu que a pessoa física, ao transmitir sua declaração de IR ao Fisco, já está apurando o imposto devido. O caso envolveu omissão de receita para enquadramento no limite de isenção. Também por maioria apertada, decidiu-se que a contagem correta começaria do fato gerador, mais benéfica ao contribuinte. Mas a decisão gerou discussão, tendo em vista o afirmado no dia anterior. Por isso, para Giacomelli, a questão da decadência deve voltar a ser debatida no Pleno.
Conceito de pagamento
Definido pelo STJ que apenas o pagamento leva à contagem do prazo decadencial menor, o mistério a ser decifrado pelo tribunal agora é o que pode ser considerado pagamento. O reconhecimento da compensação na categoria, por exemplo, não foi votado, mas foram admitidas as retenções de IR na fonte.
Cobranças discutidas judicialmente, garantidas por depósitos judiciais, estiveram na roda dos debates. Os conselheiros discutiram se, em caso de derrota do contribuinte, o depósito judicial deve ou não ser considerado pagamento, questão que só foi resolvida pelo voto de qualidade do presidente do Carf, o ex-secretário da Receita Federal Otacílo Dantas Cartaxo. Ele entendeu que o depósito judicial é apenas garantia, e não pode ser considerado pagamento para efeito da contagem. Os dissidentes afirmaram, em vão, que os depósitos, se não são pagamentos, deveriam ser devolvidos aos contribuintes e não transformados em renda da União.
O ministro Luiz Fux, que afetou a questão da decadência ao rito dos recursos repetitivos, no STJ
Pivô da celeuma, o acórdão do STJ usado no julgamento foi questionado pelos tributaristas na sessão. Para Mary Elbe Queiroz, ao afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos, o relator, ministro Luiz Fux, afirmou que estava em discussão a contagem da decadência a partir do fato gerador tanto para os casos envolvendo pagamento quanto entrega de declaração. “O presente recurso especial versa a questão referente ao termo inicial do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário pelo Fisco nas hipóteses em que o contribuinte não declara, nem efetua o pagamento antecipado do tributo sujeito a lançamento por homologação”, diz a decisão monocrática do então ministro do STJ, hoje no Supremo Tribunal Federal.
No acórdão, o STJ negou ao Fisco o direito de cobrar tributos por até dez anos, somando os prazos dos artigos 150, parágrafo 4º, e 173 do CTN, mas não mencionou a questão do início da contagem quando não há pagamento, mas existe declaração entregue.
Para o advogado Dalton Miranda, como o acórdão não incluiu a discussão, o argumento não pode ser usado no Carf. “As partes interessadas no processo no STJ não embargaram a decisão. Agora, só seria possível mudá-la por meio de ação rescisória”, argumenta.
Auditor da Receita e conselheiro do Carf, Marcos Mello concorda, mas observa: “Antes, só se aplicava a regra do artigo 173 do CTN aos casos de dolo, fraude ou simulação, ou para devedores que se omitem. A decisão do STJ foi equivocada.”
Fonte: Conjur