A Nestlé perdeu uma disputa na 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo uma autuação fiscal de R$ 38 milhões, no Rio Grande do Sul, referente ao uso de créditos do ICMS gerados pela transferência de mercadorias entre seus próprios estabelecimentos. O STJ entendeu que, nesses casos, a base de cálculo do imposto deve ser o custo da mercadoria – o que influencia os créditos usados nas etapas seguintes.
A discussão envolve duas movimentações de produtos – Leite Moça, por exemplo. Primeiro, eles são transferidos das fábricas da Nestlé para seus centros de distribuição, ambos no Estado de São Paulo. E depois, no caso, eles são remetidos para um centro de distribuição no Rio Grande do Sul. Nessas transferências, a Nestlé vinha declarando as mercadorias com um preço superior ao de custo – agregando valor aos produtos. Isso gerava um crédito maior de ICMS na venda das mercadorias, no Rio Grande do Sul.
O Estado autuou a empresa em 2004 por discordar do valor dos créditos. Ao defender uma base de cálculo menor para o ICMS nas transferências em São Paulo – e, portanto, um crédito menor – o Rio Grande do Sul busca aumentar sua arrecadação, evitando que o imposto fique principalmente com o Fisco paulista.
Ao analisar o caso na terça-feira, a 2ª Turma do STJ entendeu que, no caso, o ICMS deve ser calculado sobre o preço de custo da mercadoria (que envolve gastos com matéria-prima, mão de obra e acondicionamento). Com isso, os créditos usados nas etapas seguintes devem seguir esse cálculo. A turma acompanhou o voto do relator do recurso, ministro Castro Meira.
A 2ª Turma considerou que os centros de distribuição em São Paulo seriam uma mera extensão da fábrica, para conveniência da empresa. Portanto, na transferência de mercadorias entre esses locais, a base de cálculo seria o preço de custo. A decisão confirma entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), para quem, como não houve lucro nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, a base de cálculo do ICMS deve ser o preço de custo – conforme definido pelo artigo 13, inciso 2, da Lei Complementar nº 87, a Lei Kandir.
A discussão é curiosa, tendo em vista que a Súmula nº 166 do STJ define que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Segundo o procurador do Rio Grande do Sul responsável pela causa da Nestlé, Luiz Adams Coelho, os Estados continuam cobrando o ICMS nessas transferências, pois não há posicionamento do Supremo Tribunal Federal. “Além disso, as operações interestaduais têm nítido conteúdo econômico”, defende. Procurada pelo Valor, a Nestlé não retornou as ligações. Ainda cabe recurso da decisão.
Segundo o tributarista Rafael Fuso, do escritório Salusse Marangoni Advogados, embora a súmula seja muito usada pelas empresas, algumas preferem pagar o ICMS nas transferências entre seus próprios estabelecimentos para aproveitar o crédito na venda. Para ele, a decisão do STJ é um precedente relevante porque influencia essa sistemática, de forma desfavorável aos contribuintes.
Maíra Magro, Valor Econômico