Ação Civil Pública iniciada pelo Ministério Público do Trabalho de Araraquara, contra unidades da Raizen na região central do Estado de São Paulo, redundou na determinação principal de a empresa por fim à subcontratação de terceirizadas para o transporte, plantio, colheita e carregamento de cana-de-açúcar. Indenização por dano causado à coletividade (sociedade e trabalhadores) foi fixada em R$ 3 milhões, revertidos à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araraquara.
Após afastar diversas preliminares da recorrente patronal (sobrestamento do feito que adviria de suspensão, pelo STF, de julgamentos sobre terceirização de atividade-fim, julgamento extra-petita, litisconsórcio passivo necessário, inadequação da ação por se tratarem de interesses heterogêneos, inépcia de pedidos e impossibilidade de cumulação de pretensões), o juiz relator Marcelo Bueno Pallone asseverou, no mérito, que “a prova dos autos demonstrou à saciedade que a dita “atividade-fim” ou atividade finalística da ré, diga-se, o seu precípuo objetivo social e econômico é, além da produção do açúcar em bruto, também o fabrico de álcool, o que está estampado no instrumento societário com o qual a ré se apresenta à sociedade e também se trata de fato incontroverso, porquanto admitido em contestação. Assim sendo, para que a empresa ré alcance os objetivos sociais e econômicos a que se propõe, necessita, por óbvio, da matéria prima básica e essencial para a fabricação dos seus produtos que, como sabido de todos, é a cana-de-açúcar”.
Pallone exaltou a sentença do 1º grau, a qual “teve o zelo de perscrutar o processo produtivo do álcool, considerando as suas etapas desde o processo de maturação da cana-de-açúcar, de modo a demonstrar inequivocamente que se as usinas negligenciarem quanto à qualidade da matéria prima que utilizam no fabrico de seus produtos, seguramente terão aumentados os seus custos de produção, correndo inclusive o risco de inviabilizarem o negócio”.
Ele citou trechos decisórios da origem, com destaque para aquele que pondera sobre a fabricação do álcool e açúcar: “Todo o processo de produção da indústria, para a fabricação daqueles dois produtos principais, funciona ininterruptamente durante os chamados períodos de safra – corte da cana-de-açúcar –; daí os turnos de trabalho, tanto do pessoal da indústria quanto dos transportadores de cana para a unidade fabril. O processo de produção não pode parar, funciona 24 horas por dia. Imagine-se o imenso prejuízo de uma usina dessas se a produção parar porque os fornecedores, por uma de mil razões, não conseguirem colocar a matéria-prima há tempo na sede da indústria! Impensável, irreparável. Destarte, ainda que interessante o engenhoso método de dissociar atividade principal de atividades secundárias, empreendido pela ré em sua defesa, no caso concreto essa distinção não se aplica. É dizer, dadas as peculiaridades do processo produtivo de açúcar e álcool, não há como dissociar as atividades de plantio, colheita, carregamento e inclusive transporte da cana-de-açúcar, da atividade de fabricação dos produtos industrializados”.
O juiz relator, após acrescentar fundamentos doutrinários ao julgado de 1º grau, concluiu não ter dúvidas “de que as atividades de plantio, colheita, carregamento e transporte de cana-de-açúcar são indissociáveis dos objetivos sociais e, principalmente, econômicos da empresa ré ou, dito de outra forma, representam a sua atividade-fim, não hesito em concluir, tal como a r. decisão de origem, que tais atividades são impassíveis de terceirização.Por conseguinte, o só fato de a empresa ré ter terceirizado ilicitamente tais atividades implica fraude ao ordenamento trabalhista já mencionado alhures e tal presunção se estende à precarização das relações de trabalho dos empregados terceirizados, corroborada ainda por 29 autos de infração lavrados em fiscalizações das autoridades na empresa ré e suas contratadas que sequer foram impugnados especificamente em contestação, como bem pontuou a r. decisão de origem. Constatações alarmantes ainda foram destacadas pelo Juízo a quo, mormente a contumaz extrapolação dos limites legais de jornada pelos trabalhadores terceirizados, com prejuízo inclusive do descanso semanal remunerado e labor contínuo por 07 dias seguidos, evidenciando inegáveis prejuízos aos trabalhadores terceirizados, justificando inclusive a imposição de indenização por danos morais coletivos. Efetivamente, a precarização das relações de trabalho perpetrada pela empresa ré ultrapassou a órbita dos direitos individuais dos trabalhadores terceirizados e se estendeu a toda comunidade local, pois afrontou a ordem jurídica e violou os direitos de uma vasta coletividade de trabalhadores, inclusive direitos de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores, normas de ordem pública, portanto, o que caracteriza a ofensa a direitos coletivos e justifica a indenização da mesma natureza (…)”.
A decisão do 2º grau, além de manter o óbice à subcontratação das atividades de plantio, colheita, carregamento e transporte de cana-de-açúcar, reiterou que a Raízen Energia abstenha-se de celebrar contratos de prestação de serviços com objeto diverso e/ou desvinculado do efetivo serviço contratado e de permitir que sejam executados em seus estabelecimentos serviços diversos do contratado em terceirizações de atividade-meio, pelos empregados das empresas terceirizadas (Processo 0000994-89.2013.5.15.0079, decisão por maioria de votos).
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