O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) criou um programa para fiscalizar as informações prestadas pelas empresas nos processos de fusões e aquisições. O maior rigor do órgão antitruste, presidido por Arthur Badin, tem o sugestivo nome de “Programa Malha Fina” e, assim como a verificação feita pela Receita, vai realizar uma minuciosa e rigorosa conferência que, conforme já estabelece a Lei Antitruste, pode resultar em multas de mais de R$ 9 milhões. Os dados repassados em atos de concentração e processos administrativos estão no alvo do Cade.
A novidade foi criada por meio da resolução 58, publicada em 24 de setembro. A Procuradoria do Cade ficará encarregada pelo pente fino e, segundo a nova norma, “poderá adotar todos os meios de prova cabíveis”. Não foi especificado se haverá cruzamento de informações constantes em processos envolvendo as mesmas empresas.
Fabiola Cammarota de Abreu, sócia do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, destaca que a resolução implementa fiscalização e controle adicional a que já existe no curso de qualquer processo no Cade. Para ela, a omissão de informações relevantes poderia causar danos à concorrência, pois uma operação seria aprovada sob premissas incorretas.
Em operações submetidas ao Cade, as companhias devem prestar informações detalhadas sobre faturamento, relação de clientes e concorrentes, preços, produtos comercializados e histórico de operações societárias realizadas pelo grupo. Dependendo da complexidade, podem ser exigidos gastos com publicidade e nível de importação.
Vanessa Boarati, do Sampaio Ferraz Advogados, afirma que o Cade deve aumentar o filtro para que não haja omissão ou enganos. “A norma deve estimular as empresas a tomar cuidado”, afirma. A advogada diz que hoje os dados estão em autos públicos e as concorrentes do setor são oficiadas sobre o conteúdo. “Se houver informação falsa, os demais atores vão saber e eventualmente se manifestar. O Cade já trabalha com boas informações”, afirma.
Todos os atos de concentração e processos administrativos julgados pelo Cade poderão ser incluídos na malha fina. “Os processos submetidos ao programa serão selecionados pela Procuradoria do Cade segundo critérios de conveniência ou oportunidade, a pedido de qualquer membro do plenário ou em razão de provocação fundamentada de partes ou terceiros acolhida pelo plenário”, determina a resolução. Ainda segundo o texto, em cada mês será selecionado pelo menos um processo dentre aqueles julgados, preferencialmente por sorteio.
A Lei 8.884 (Lei Antitruste) estabelece que a omissão, falsidade ou enganosidade de informações prestadas pelos interessados em processos de competência do Cade podem sujeitar o infrator a multa pecuniária no valor de R$ 5.320,50 a R$ 9.576.900,00, a ser aplicada conforme os critérios como gravidade da infração, grau de lesão ao mercado, situação econômica do infrator e reincidência. O artigo 55 da mesma lei estabelece que a aprovação de uma operação pode ser revista pelo Cade se a decisão for decisão for baseada em informações falsas ou enganosas.
Ao final da análise, a Procuradoria enviará ao presidente do Cade um parecer recomendando as medidas legais cabíveis ao caso. Os despachos do presidente, que podem acolher ou não as recomendações da Procuradoria, deverão ser submetidos à ratificação pelo plenário.
Para Ivo Waisberg, membro da comissão de direito bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), o Cade já tinha poder para tal averiguação, mas quis passar duas mensagens. “Primeiro, que vai mesmo fazer a análise, nem que seja por sorteio. E deixou as regras mais claras e transparentes”, afirma, ressaltando esperar que o procedimento seja feito respeitando o devido processo legal e a ampla defesa.
Joyce Honda, do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, afirma que as empresas também devem aumentar o rigor. “A edição da resolução demonstra a preocupação do órgão sobre a veracidade das informações prestadas, do cumprimento da Lei e necessidade de estabelecer procedimentos para garantir tal cumprimento, até como medida preventiva”, complementa.
O advogado Paulo Novaes, sócio do Tostes e Associados Advogados, critica duramente a medida. Segundo ele, a malha fina é um mecanismo próprio de sistemas fiscais maduros e exaustivamente testados. “Ao invés de ficar inventando novidades burocráticas despropositadas, o Cade deveria preocupar-se com o seu lamentável processo decisório e com a sofrível qualidade das suas decisões plenárias”, afirma.
Andréia Henriques – DCI – LEGISLAÇÃO