Num dos julgamentos mais aguardados na área tributária, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que a Lei Complementar nº 118, de 2005, não pode ser aplicada de forma retroativa. A norma reduziu de dez para cinco anos o prazo para os contribuintes pedirem a restituição ou compensação de tributos pagos a mais, através das chamadas ações de repetição de indébito ou compensação. A alteração atingiu os tributos que o próprio contribuinte calcula e recolhe, ou seja, os principais impostos e contribuições pagos no país. A lei pretendia atingir inclusive ações já em andamento.
Na tarde de ontem, o Supremo definiu que o prazo de cinco anos só vale a partir de 9 junho de 2005 – ou seja, 120 dias após a publicação da LC nº 118. Antes dessa data, o período para pleitear tributos pagos a mais é de dez anos.
O julgamento terá um impacto sobre milhares de ações que tramitam no Judiciário. Isso porque foi tomado pelo mecanismo da repercussão geral – que suspende o andamento de todos os casos semelhantes na Justiça, para que a decisão do Supremo sirva, posteriormente, de orientação.
O processo foi o último a ser votado ontem, pegando muitos advogados de surpresa, pois não estava na pauta divulgada previamente pela Corte. O julgamento começou em maio do ano passado com um placar apertado de cinco votos favoráveis aos contribuintes e quatro à Fazenda. Faltavam votar apenas os ministros Luiz Fux e Joaquim Barbosa. Como Barbosa estava ausente na sessão de ontem, o voto de minerva ficou a cargo do ministro mais novo no STF. Ao votar em favor dos contribuintes, Fux seguiu a jurisprudência consolidada de sua Corte de origem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O processo envolvia um contribuinte pessoa física, do Rio Grande do Sul, que pedia a atualização de um valor de INSS. Depois de ajuizada a ação, foi publicada a LC nº 118, e a Fazenda tentou aplicá-la ao caso, segundo os advogados da causa. O recurso analisado pelo STF foi movido pela Fazenda.
As argumentações giram em torno do artigo 3 da Lei Complementar. A norma diz que a mudança no prazo de prescrição se faz “para efeito de interpretação” do Código Tributário Nacional (CTN). Ou seja, a lei não estaria alterando, mas apenas esclarecendo o prazo definido pelo CTN. Já que se tratava de mera interpretação, não se aplicaria o critério segundo o qual a lei só pode valer após sua publicação.
Mas contribuintes defenderam que houve, de fato, uma mudança no prazo para se pleitear tributos – ou seja, não seria uma questão de interpretação. Por isso, a lei não poderia ser aplicada retroativamente. “Foi uma intromissão do Executivo no Poder Judiciário”, diz o advogado Márcio Brotto de Barros, da Bergi Advocacia, de Vitória, que atuou na ação no STF. Para ele, a lei tentou modificar a interpretação já pacificada nos tribunais a respeito do CTN – ou seja, que o prazo de prescrição seria de dez anos. “O mais importante é que o artigo que pretendia modificar fatos anteriores foi declarado inconstitucional”, comentou o advogado Marco André Dunley Gomes, que também atuou no caso em Brasília.
O procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller, dá uma ideia do impacto da decisão de ontem, já que o problema era suscitado, de forma indireta, em discussões tributárias sobre os mais diversos assuntos. “O maior número de recursos extraordinários (para o STF) que fazíamos era para discutir esse tema”, afirma.
Mas, para da Soller, a Fazenda ganhou em um aspecto. O STJ havia definido que o novo prazo para recuperar tributos valia para fatos geradores ocorridos após 9 de junho de 2010. Para ele, a decisão do STF significa que os cinco anos se aplicam não para fatos geradores, mas para ações ajuizadas após a entrada em vigor da lei. Esse foi o entendimento manifestado pela relatora do caso, ministra Ellen Gracie. Apenas os ministros Celso de Mello e Luiz Fux entenderam que na contagem considera-se o fato gerador. Os advogados da causa aguardam a publicação da decisão para avaliar se cabe discussão sobre esse ponto.
“O mais importante é que o STF deu um recado direto de que o Legislativo não deve atropelar o Judiciário naquilo que lhe cabe, que é produzir jurisprudência”, diz o advogado Rodrigo Leporace Farret, do Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados.
Maíra Magro – De Brasília