Após receber inúmeras críticas, o deputado Cauê Macris (PSDB-SP) resolveu retirar o Projeto de Lei 870/2010 da Assembléia Legislativa de São Paulo. O PL pretendia criar uma premiação para denúncias de sonegação fiscal, inclusive as anônimas. O presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’urso, havia classificado o projeto como “absurdo” e “inútil”. A proposta também não ficou de fora dos debates entre participantes do XI Encontro dos Procuradores da Fazenda Nacional.
Para D’urso, o projeto que cria premiação para denúncias de sonegação fiscal foi claramente elaborado sem os estudos jurídicos necessários, pois viola dispositivos da Constituição Federal e da Lei Complementar Estadual 939/2003. “A proposta estimula um dos vícios da alma humana, a delação, correndo o risco de estimular o anonimato perverso e irresponsável”, afirmou o presidente da OAB-SP.
Ele argumenta, ainda, que a Lei Complementar Estadual 939/2003, estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como regentes da administração tributária. “O PL não atende à maioria deles, pois a delação é motivada, na maior parte dos casos, por atos egoístas e criminosos”, afirmou.
Segundo D’urso, o fisco já possui vários instrumentos diretos e indiretos de fiscalização, como a nota fiscal eletrônica, a verificação de contas bancárias, dados de gastos com energia elétrica ou aluguel, informações fornecidas por empresas de cartão de crédito, entre outros, o que tornaria desnecessária a delação premiada.
O PL prevê que os prêmios de delação sejam pagos com os recursos obtidos a partir da própria denúncia, o que também é visto pelo presidente da OAB-SP como inútil, tendo em vista que o denunciado se defenderá administrativa e judicialmente até ser condenado, o que pode levar mais de uma década para ocorrer.
O tributarista Raul Haidar, em sua coluna na ConJur, já havia criticado o projeto de lei. “A alcaguetagem, o dedo-durismo, o denuncismo, enfim, todas as formas de acusação que alguém faz em relação a comportamentos de terceiros no mais das vezes resultam de atos mesquinhos ou criminosos. Talvez isso pudesse se justificar quando o poder público tivesse dificuldade na investigação da sonegação. Não é esse o caso atualmente”, escreveu.
Vigilância coletiva
Já para o presidente do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Simprofaz), Allan Titonelli Nunes, o PL não é tão absurdo quanto parece. Durante o XI Encontro dos Procuradores da Fazenda Nacional, promovido pelo sindicato em Fortaleza, a medida pode contribuir para que o cidadão exerça mais ativamente o seu papel político na sociedade e como gestor da coisa pública. “Isto vai de encontro a um comportamento natural no estado democrático de direito em que todo cidadão vigia todo cidadão”, afirmou.
O presidente do sindicato também contestou outras críticas que se faz à delação premiada. Com relação à alegação de que o dinheiro recuperado trata-se de valores indisponíveis e, portanto, a Fazenda não poderia disponibilizá-lo para pagamento de “recompensa”, Allan Titonelli afirma que esta questão legal poderia ser pacificada com a própria aprovação do PL, que deve contemplar em seu texto, dispositivos que tornem esse pagamento de delação legal.
Titonelli também afirma que o Estado não sairia no prejuízo. “O pagamento daquele que fez a delação poderia ser feito não com parte do valor do tributo devido, mas com os valores que constituem a multa, já que estes possuem caráter estritamente pedagógico”, concluiu.
O senador Sérgio Barradas (PSOL-AP) disse que não é adepto a trazer instrumentos da área penal para o tributário e que a questão da indisponibilidade dos valores deve ser considerada, haja vista que a maioria dos tributos possui vinculações, ou seja, tem destino específico. “Antes da aprovação de um projeto como este o tema tem que ser discutido, e muito bem discutido para que não se aprove um PL eivado de inconstitucionalidades”, disse o senador.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.