A produção de TVs de LCD cresceu 153% de janeiro a outubro de 2010 em relação ao ano passado. Os fabricantes de televisores integram os segmentos que puxam as empresas do Polo Industrial de Manaus, que deve bater recorde de faturamento este ano. A Gatsby do Brasil, porém, que há 17 anos fabrica cabos para televisores na capital amazonense, deve terminar o ano com um terço do quadro de funcionários que possuía no ano passado e com faturamento 40% menor do que o de 2009.

Puxada pela expansão da produção agrícola em razão da forte exportação de commodities, a venda de tratores e máquinas agrícolas está em franca expansão. Este ano a venda desses itens no mercado interno cresceu 28% no acumulado até outubro na comparação com igual período de 2008, antes dos efeitos da crise financeira. A Engrecon, que desde 1973 fabrica engrenagens para tratores no município paulista de Santana de Parnaíba, contudo, deve terminar o ano com produção de peças 30% menor e um terço a menos de trabalhadores em relação ao mesmo período pré-crise.

A Gatsby e a Engrecon são dois exemplos de indústrias cuja produção ficou em 2010 em total descompasso com a expansão das vendas do produto cuja cadeia de produção elas integram. O que as tirou da festa de comemoração de vendas crescentes no mercado interno foram as importações. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) mostram que a importação de peças para receptores e televisores, por exemplo, triplicou de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. “Na mudança de TVs de tubo pelas de tela plana os fabricantes passaram a importar kits de componentes que já incluem os cabos que fornecemos”, diz Josué Indalécio, diretor da Gatsby do Brasil.

“A desindustrialização começa assim, aos poucos, em alguns segmentos específicos. Quando chega a afetar os números mais gerais de capacidade de produção é porque muitas empresas já fecharam as portas e demitiram funcionários”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para ele, por enquanto são pontuais as situações em que a importação foi além da complementação de produção para atender a demanda interna. São casos em que a importação já toma espaço do fabricante nacional com força suficiente para causar queda na produção e demissão de empregados.

O economista Fernando Montero, da corretora Convenção, diz ser cedo para saber se há desindustrialização. Para isso, acredita, seria necessária uma mudança estrutural que não se sabe se já ocorreu. “O que chama a atenção, porém, é que em períodos anteriores houve queixas das indústrias somente quando o mercado interno deixava de crescer”, lembra. “Atualmente as importações estão muito agressivas e as empresas estão se queixando mesmo com as vendas domésticas em elevação.” Ao mesmo tempo, lembra, as indústrias concederam, de forma geral, reajustes salariais de 15% em dólar, o que eleva o custo de produção e tira competitividade. “Isso também pode ser reflexo de um mercado de trabalho muito apertado.”

De qualquer forma, acredita ele, os dados mais recentes mostram um descompasso entre o desempenho da produção e do comércio varejista. Na passagem do segundo para o terceiro trimestre, lembra, as vendas do varejo ampliado cresceram 3,4%, enquanto a produção industrial teve queda de 0,5% em variações que já descontam os efeitos sazonais.

Montero observa que parte do crescimento varejista é permitido pelos preços baixos decorrentes da própria valorização do real. Resta saber o que deve acontecer se o mercado doméstico recuar.

A perda de mercado para os importados em um momento de real valorizado, lembra Castro, não significa que as encomendas retornarão aos níveis anteriores caso o dólar volte a ficar mais forte, mesmo se o consumo doméstico continuar aquecido. “Indústrias que estão sendo minadas pelos importados tendem a perder a ligação com seus clientes. Não só perdem ritmo de produção e ficam desatualizadas, mas também deixam de ter capacidade de investimento.”

Por enquanto, a Gatsby tenta novas soluções para manter a atividade produtiva. A empresa procura diversificar a clientela com o desenvolvimento de cabos para máquinas automáticas de banco, por exemplo. A Engrecon também resiste às importações e abre 2011 com perspectiva de fabricar a partir do terceiro trimestre engrenagens mais sofisticadas para caminhões e menos sujeitas à concorrência com os produtos estrangeiros. Segundo José Carlos Nadalini, presidente da empresa, a nova linha é alvo de investimento de US$ 15 milhões em máquinas alemãs.

Castro lembra que o câmbio está fazendo grande diferença atualmente para as indústrias, mas não age sozinho. “Essa influência do câmbio não seria tão grande se outras condições estruturais estivessem resolvidas, como carga tributária elevada ou infraestrutura precária.” Essas são questões, diz, que fazem diferença para a competitividade das indústrias, seja no mercado interno ou no externo.

Fundada em 1943, a fabricante de calçados femininos Schmidt Irmãos, com sede em Campo Bom, interior gaúcho, é um caso emblemático. Ela vendia para os Estados Unidos e Europa 100% da produção de 21 unidades fabris distribuídas em oito municípios. Desde julho, desativou fábricas em seis cidades e o quadro de 3 mil funcionários foi reduzido para cerca de 500 pessoas. Até o início de 2011 a empresa deixará o Brasil e passará a produzir calçados na zona franca de Zaratoga, na capital da Nicarágua. Além de um acordo comercial que lhe dará vantagem competitiva, em Manágua a empresa ficará livre do impacto da valorização do real. (Colaborou Sérgio Bueno, de Porto Alegre)

Fonte: Valor Econômico – Marta Watanabe | De São Paulo