Em decisões recentes, a Justiça do Trabalho tem liberado empresas que exercem atividades perigosas e insalubres da contratação de jovens entre 14 e 24 anos. A admissão dos chamados aprendizes é exigida há 11 anos por lei. O objetivo é incentivar a formação profissional dos jovens e a entrada no mercado de trabalho. Algumas empresas do setor de vigilância privada autuadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em São Paulo e no Distrito Federal, já conseguiram afastar a obrigatoriedade de contratação.

Em decisão unânime, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) dispensou 30 empresas filiados ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Sistemas de Segurança Eletrônica, Cursos de Formação e Transporte de Valores no Distrito Federal (Sindesp/DF) da contratação. O entendimento foi de que a exigência prevista na Lei nº 10.097, de 2000, afronta o artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os dispositivos proíbem o trabalho noturno, perigoso, insalubre e prejudicial à formação e ao desenvolvimento do menor aprendiz. Ao analisar o caso, a ministra Dora Maria da Costa considerou que essas empresas desenvolvem atividades de risco e em ambientes impróprios. “É certo afirmar que não há permissão para, no caso vertente, impor a contratação de menores aprendizes”, afirma a ministra na decisão.

O mesmo argumento foi utilizado pela relatora ao conceder, no dia 10, a dispensa de contratação a uma empresa de transporte de valores do Rio Grande do Sul. Também neste mês, a 72ª Vara do Trabalho de São Paulo concedeu liminar favorável a 80 estabelecimentos filiados ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado (Sesvesp/SP). Ainda cabe recurso.

O uso da arma de fogo e a falta de experiência e formação específica exigida para exercer a função de vigilante foram apontados pelas empresas para não contratar os jovens. Além disso, o sindicatos afirmam que a lei que regulamenta a atividade dos vigilantes (Lei nº 7.102, de 1983) veda a admissão de menores de idade. Entretanto, o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal) argumenta que os aprendizes poderiam ser alocados em setores administrativos. “Cem por cento dos funcionários são vigilantes. Não teríamos como cumprir a cota”, diz a advogada, Alessandra Tereza Pagi Chaves, do Ávila de Bessa Advocacia, que representa o Sindesp/DF.

No entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), a forma de contratação e em que funções os aprendizes serão alocados é uma análise da empresa, que ultrapassa o aspecto jurídico do processo. “Não seria razoável acreditar que as empresas de vigilância somente possuem vigilantes, considerando as exigências do mercado”, diz a AGU, em nota.

Por enquanto, o posicionamento do TST é restrito às empresas de vigilância privada. Em maio, a 3ª Turma do TST negou o recurso de uma empresa especializada em fundação e sondagem em construção civil. Para o relator da ação, ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, as características e atividades da empresa eram “plenamente compatíveis” com a previsão da lei. Em 2007, a mesma turma do TST decidiu, por unanimidade, que menores aprendizes podem ser admitidos em farmácias, apesar de a Lei nº 6.224, de 1975, proibir o exercício da profissão de vendedor de produtos farmacêuticos a menor de 18 anos.

A Justiça também tem sido acionada para reduzir o percentual de contratações. Pela lei, os aprendizes devem representar de 5% a 15% do quadro total de funcionários. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina) concedeu a uma distribuidora de produtos o direito de excluir motoristas de caminhão e funcionários que levantem peso do cálculo da porcentagem. No Rio de Janeiro, algumas empresas do setor de petróleo e gás têm recorrido ao Judiciário para excluir da conta os funcionários que trabalham em plataformas instaladas em alto-mar. “No geral, até 95% dos empregados estão offshore. Ficam 15 dias embarcados”, diz Domingos Antonio Fortunato, do Demarest e Almeida Advogados que já ajuizou 12 ações declaratórias. “Já conseguimos duas liminares e uma sentença favorável.” Segundo o advogado Fabrício Trindade Sousa, do mesmo escritório, só devem ser contabilizadas as funções que demandem formação profissional. “Não é má-fé. Só queremos comprovar que há incapacidade da empresa em cumprir a cota.”