Os consumidores de energia elétrica têm legitimidade para pedir na Justiça a restituição ou a compensação de valores pagos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A decisão, unânime, foi proferida ontem pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pelos processos de direito público. O julgamento terá impacto sobre todas as ações relativas ao tema, que foi analisado por meio de recurso repetitivo.

O relator do recurso do Estado de Santa Catarina, ministro Cesar Asfor Rocha, entendeu que impedir o ajuizamento de pedidos de ressarcimento por consumidores seria “perverso” diante das normas que regem a atividade das concessionárias de energia que, segundo ele, são “braços fortes do Estado”. “O consumidor ficaria relegado e desprotegido”, disse.

O entendimento, segundo advogados, flexibiliza a jurisprudência do STJ. Em 2010, a 1ª Seção considerou – também em recurso repetitivo – que distribuidoras de bebidas não teriam competência para ajuizar ações de restituição. Na ocasião, os ministros entenderam que apenas os fabricantes teriam legitimidade para pleitear na Justiça a devolução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina citou o precedente para defender a tese de que a Multicolor Têxtil não teria legitimidade para pedir a restituição do ICMS. O órgão entende que a empresa é “contribuinte de fato” do ICMS, mas não de direito. As concessionárias de energia são obrigadas por lei a recolher o imposto. Entretanto, o custo fiscal é repassado aos consumidores na composição do preço do serviço. “Tributa-se pelo ICMS não a compra, mas a venda de mercadorias e serviços”, afirmou o procurador Fernando Filgueiras, acrescentando que, mesmo admitindo-se ser o repasse do imposto no preço indevido, “o consumidor não está legitimado a ajuizar ação contra o Estado”.

O ministro Asfor Rocha, entretanto, posicionou-se de forma contrária, apesar de o Código Tributário Nacional (CTN) permitir a restituição apenas pelo contribuinte de direito. Para ele, o precedente de 2010 não se aplica à discussão que envolve as concessionárias de energia. Isso porque as regras da concessão do serviço trazem particularidades importantes para decidir a questão.

Ele citou, por exemplo, que a legislação que regula as concessões permite o reajuste de tarifas de energia quando houver criação ou aumento de tributos. Além disso, “o Estado e as concessionárias estão do mesmo lado, não há divergências e sempre se evitará embates desgastantes”, segundo o ministro.

Asfor Rocha afirmou ainda “não ter notícia” de ações ajuizadas por distribuidoras de energia. “Elas não querem ter ônus político de entrar com ações”, disse, acrescentando que não haveria benefício econômico às concessionárias mesmo que saíssem vitoriosas. Isso porque teriam que devolver os recursos aos consumidores, contribuintes de fato do imposto.

No julgamento, o ministro Teori Zavaski disse que a decisão impõe limite ao precedente de 2010, classificado por ele como “decisão radical”. Para o ministro, tirar a legitimidade do consumidor implicaria prejuízo no acesso à Justiça para os contribuintes. Segundo o ministro Arnaldo Esteves, o reconhecimento da legitimidade evitará, inclusive, o enriquecimento sem causa do Estado.

Como o caso foi julgado por meio de recurso repetitivo, os ministros da 1ª Seção decidiram já aplicar o entendimento a um caso idêntico do Rio Grande do Sul.

A procuradoria de Santa Catarina informou que vai estudar a possibilidade de recorrer da decisão. Já o advogado da Multicolor Têxtil não foi localizado pelo Valor para comentar o caso.

Para o tributarista Julio de Oliveira, do escritório Machado Associados, a decisão terá grande impacto para contribuintes e o próprio Fisco. “No longo prazo pode ser um reconhecimento didático para Estados que cobram impostos fora da legalidade”, disse. Ele acrescenta que a diferenciação entre contribuinte de fato e de direito é ultrapassada. “No fim das contas, todos os tributos são repassados para o preço.”

Por Bárbara Pombo | De Brasília
Valor Econômico

Fonte: tributario.net