O ente público deverá arcar com as custas e honorários dos árbitros? Como ficaria a questão do duplo grau de jurisdição (reexame necessário)?

Rodrigo Borges e Renan Facchinatto

Muito se discutiu acerca da possibilidade de aplicação do instituto da arbitragem nos contratos administrativos, no entanto, com a edição da Lei nº 11.079, de 2004, essa discussão perdeu força, não obstante ainda representar tema delicado e repleto de lacunas.

Com o atual cenário de concessões proposto pelo governo, consubstanciado na criação de novas empresas de economia mista, aquelas em que o controle é compartilhado entre o ente governamental e a iniciativa privada, volta à baila a discussão sobre a possibilidade de sujeitar as disputas societárias dessas novas sociedades ao procedimento arbitral.

É sabido que as atividades econômicas desempenhadas pelas empresas de economia mista não comportariam que eventuais litígios societários fossem solucionados pelo Poder Judiciário, que, em decorrência da morosidade, poderia trazer enormes prejuízos à sociedade.

Contudo, quais devem ser os critérios para escolha do tribunal arbitral e de sua composição? O ente público deverá arcar com as custas e honorários dos árbitros? Como ficaria a questão do duplo grau de jurisdição (reexame necessário)?

Não seria razoável, em nosso entender, exigir que a administração realizasse um procedimento licitatório para escolha do tribunal arbitral e seus árbitros. Parece-nos mais acertado o entendimento de que tal escolha deverá se realizar por mútuo acordo entre os acionistas (ente público e iniciativa privada), por simples previsão no estatuto social da sociedade de economia mista em questão. Veja-se que, muito embora estas sociedades sejam definidas como de direito privado, elas estão sujeitas a diversos mecanismos de controle a que as empresas privadas não estão, sobretudo a relação envolvendo o sócio governamental.

Para tanto, à vista da ausência de disposição legal expressa, propõe-se a aplicação, por analogia, do artigo 42, parágrafo 3º, inciso II, da Lei Federal de Concessões. Por óbvio, deve o ente público privilegiar tribunais arbitrais de reputação, bem como indicar árbitros especialistas na matéria objeto do litígio.

Em alguns países europeus, tais como Portugal e Itália, em que o procedimento arbitral já é amplamente utilizado pelos entes estatais, foram desenvolvidos centros específicos em analisar conflitos entre o público e o particular, o que, por certo, veio a facilitar e a regular de forma mais específica o procedimento arbitral nesses casos.

O ente público deverá arcar com as custas e honorários dos árbitros?

No que tange ao recolhimento das custas e pagamento dos honorários dos árbitros, a administração, diferentemente do que ocorre no Poder Judiciário, não estará isenta de tais recolhimentos, uma vez que, em função da voluntariedade da arbitragem, os árbitros e o tribunal arbitral, por óbvio, não poderão ser penalizados com o não pagamento em decorrência das características de um dos litigantes. Nesse sentido, no intuito de tornar o procedimento arbitral ainda mais célere, parece-nos que a melhor recomendação seria o adiantamento das custas e honorários dos árbitros pelo particular, haja vista que eventual despesa pelo órgão estatal deveria estar coberto pela previsão orçamentária.

O ponto mais delicado de análise do uso da arbitragem para resolução de conflitos societários em sociedade de economia na mista, nas quais participarão a União, Estados, Distrito Federal, municípios e as respectivas autarquias e fundações, reveste-se na regra do reexame necessário previsto pelo artigo 475 do Código de Processo Civil. Conforme estabelecido em referido preceito legal, as decisões proferidas contra os órgãos da administração estarão sujeitas ao duplo grau de jurisdição não produzindo efeitos senão depois de confirmada pelo tribunal.

Nesse diapasão, uma das principais características da celeridade do procedimento arbitral encontra abrigo na soberania da decisão proferida pelos árbitros, que não está sujeita a nova apreciação, salvo a hipótese prevista no artigo 30 da Lei nº 9.307, de 1996, que permite a oposição de embargos, para verificação de obscuridade, dúvida, omissão ou contradição da sentença proferida, os quais, ressalte-se, serão analisados pelos próprios árbitros.

O Poder Judiciário, contudo, não poderá se pronunciar acerca do mérito da decisão proferida pelo tribunal arbitral, ressalvada a hipótese da ação de anulação de sentença arbitral, conforme facultada pelo artigo 33 da Lei de Arbitragem, sendo que, julgada procedente a ação, o conflito deverá retornar aos árbitros para nova prolação de sentença definitiva.

Assim, embora a questão da utilização da arbitragem pelo Poder Público seja amplamente discutida pela doutrina em conflitos envolvendo contratos públicos, faz-se necessária maior regulação do tema para aplicação nas questões societárias de sociedades de economia mista, dada a fragilidade do assunto, ante os investimentos da iniciativa privada, que devem estar cobertos por um sistema rígido de solução de conflitos.

Por fim, é importante mencionar que a arbitragem pode e deve ser amplamente difundida para solução de questões patrimoniais ou técnicas, mas não poderá envolver, por exemplo, o rumo de determinada política pública, sendo esta matéria impassível de submissão à arbitragem.

Fonte: Valor Econômico /contadores.cnt.br